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NOTA TÉCNICA: AMEAÇA DO TÁXI-LOTAÇÃO AO TRANSPORTE PÚBLICO DE MACEIÓ

O Instituto do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de  Qualidade para Todos (Instituto MDT) é uma Organização Não Governamental  sediada em Brasília/DF, criada no ano de 2003, com atuação em todo o país em  defesa da mobilidade urbana sustentável e do transporte público de qualidade.  

O Instituto MDT conta em seu Conselho Diretor com a participação da  representação de vários segmentos, como: movimentos sociais; empresários e  trabalhadores em transporte; entidades de engenheiros e arquitetos; poder  público; empresas de consultoria; outras organizações não governamentais;  entidades de mobilidade ativa e associados individuais.  

Ao longo de todos esses anos a atuação do MDT esteve concentrada em várias  frentes de trabalho e uma delas se deu por meio da nossa contribuição efetiva para  a construção da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), que foi  instituída através da Lei Federal n° 12.587/2012, mas cujo processo foi iniciado  muitos anos antes, quando acompanhamos os debates realizados e produzimos  conteúdo técnico para as primeiras minutas de projetos.  

Avaliamos que a PNMU é uma conquista da sociedade brasileira e os seus princípios,  diretrizes e objetivos são instrumentos importantes que apontam na perspectiva  da garantia do direito universal à cidade e da construção de um modelo urbano  sustentável com mais qualidade de vida para os seus moradores, tendo, nesse  sentido, os sistemas de transporte público e os modais ativos (mobilidade a pé e  por bicicleta), papel fundamental para esse processo de reaqualificação do espaço  das pólis, ao mesmo tempo em que deve ser reduzida a dependência da utilização  do transporte individual motorizado como meio principal para a realização dos  deslocamentos da população.  

Nesse sentido, soa estranho a insistência da Prefeitura de Maceió com a proposta  de regulamentação do Táxi-Lotação, que não se enquadra na concepção de um 

sistema de transporte público coletivo e não encontra nenhuma referência dentro  daquilo que são as diretrizes gerais da Política Nacional de Mobilidade Urbana.  Insistir na defesa de um modal baseado no uso de automóveis, mesmo que as  viagens possam ser feitas compartilhadas por grupos de até 4 pessoas, não  resolverá o problema de mobilidade da cidade e, pelo contrário, irá aprofundar as  externalidades negativas que são geradas pelo uso do transporte individual  motorizado: mais produção de km percorrida; mais emissão de poluentes; mais  congestionamentos; mais exclusão social e maior apropriação do sistema viário,  em contraposição à ideia da democratização do espaço que está incorporado na  PNMU, onde o automóvel deveria ocupar 30% e ocupa, em média, 80%.  

Entretanto, considerando como parâmetro o que estabelece a PNMU, e que deve  ser o referencial para o próprio plano de mobilidade urbana de Maceió, a iniciativa  da Prefeitura deveria ser direcionada para qualificar esse modal ao invés de insistir  na implementação de um projeto que vai fragilizar o transporte público coletivo,  comprometendo até mesmo a sua própria sobrevivência, mas que também, por  outro lado, não indica a representação de nenhuma garantia de que as pessoas  terão melhoria na sua qualidade de vida.  

A qualificação do sistema de transporte público coletivo passa obrigatoriamente  pela capacidade da prefeitura em assumir a gestão plena da concessão, seja  racionalizando o sistema; mantendo transparência; planejando e fiscalizando a  operação; investindo em infraestrutura exclusiva de circulação para os ônibus no  sistema viário (mais faixa azul); estabelecendo indicadores de desempenho para  avaliação e remuneração dos serviços ou, o mais importante, garantindo os canais  para a participação da sociedade na formulação de propostas e fiscalização.  

A qualificação do sistema de transporte público e o investimento em uma  mobilidade urbana sustentável dependem da existência de recursos financeiros  para a implantação de faixas e corredores exclusivos, visando reduzir custos e o  tempo de viagem dos usuários, para a construção de calçadas adequadas e a  implantação de rede cicloviária, na perspectiva da integração intermodal, mas  também como indicativo para a viabilização do barateamento da tarifa, que  reduzirá o peso desse gasto no orçamento das famílias e promoverá a inclusão  social. 

 É do conhecimento público que as finanças dos municípios foram duramente  atingidas pela crise decorrente da pandemia, que os orçamentos já estão  comprometidos e que isso é obstáculo para o investimento na qualificação do  sistema de transporte público e na melhoria da mobilidade urbana.  

No entanto, é necessário destacar que a PNMU desde 2012 já listava algumas  possibilidades, no âmbito dos municípios, para a produção de recursos financeiros  visando ao fortalecimento do sistema de transporte público e da mobilidade  urbana. Identificados como instrumentos de gestão no texto da Lei Federal n°  12.587/2012, o pedágio urbano, a cobrança de taxa sobre a emissão de poluentes  e a política de estacionamento, entre outras alternativas, como a cobrança de  percentual sobre as viagens feitas por aplicativos e a aplicação de adicional sobre  o IPTU de imóveis que tiveram valorização com a implantação de sistemas de  transporte, são todos eles condições potenciais para a geração de dinheiro extra  para a realização dessas ações que podem mudar a realidade das cidades.  

A implementação de um ou mais desses instrumentos de gestão não é tarefa fácil  para as prefeituras, pois a mudança de paradigma pressupõe contrariar alguns  interesses localizados dentro da sociedade, como os usuários de automóveis, por  exemplo. No entanto, um processo transparente e democrático de diálogo com  os segmentos da cidade, incluindo os poderes legislativo e judiciário, é o  pressuposto básico para que essa realidade possa ser materializada.  

Então, avalia-se que a missão da Prefeitura de Maceió deveria se concentrar na  criação de uma ambiência favorável que garantisse a implantação de pelo menos  um instrumento de gestão que viabilizasse a priorização e a qualificação do sistema  de transporte público coletivo, mantendo-se assim o alinhamento da política  pública com as diretrizes da lei nacional da mobilidade urbana, em vez de promover  esforços insistindo com um projeto, como o do táxi-lotação, que não produzirá  impactos positivos e o que é pior, vai na contramão do que foi adotado pelas  cidades que conseguiram resolver os seus problemas de mobilidade urbana. Fica  o desafio como sugestão para a prefeitura.  

* Wesley Ferro Nogueira é economista e secretário executivo do Instituto  MDT. 

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